O Poço

O Poço
10/05/2021

Há muito tempo venho desenvolvendo o desejo de escrever sobre cinema, pois a minha geração foi apaixonada pela tela grande, embora, do ponto de vista de quem estuda cinema é errado ficar emocionado com uma fita. Confesso que ainda não alcancei essa frieza científica. Muitos filmes me fazem chorar.

Um filme interessante que assisti é ‘O Poço’.

E devo dizer que há muito não assistia à uma obra de arte tão enigmática e que permite várias leituras. É quase um caleidoscópio, mas, apesar disso, é preciso estar atento a uma lei da gramática fílmica porque um filme é um discurso narrativo com uma intencionalidade do diretor e é preciso primeiro enxergar qual sua mensagem. Umberto Eco, por exemplo,  desenvolve o conceito de ‘obra aberta’, significa que temos uma relativa liberdade de interpretação uma vez que somos capazes de construir narrativas. Porém, diante de uma obra de arte, essa construção tem que estar dentro de uma metodologia hermética, ou seja, é preciso estudar cinema para poder propor uma interpretação e, principalmente, essa interpretação deve ser um consenso entre as pessoas que estudaram a obra em questão, senão qualquer um poderia falar o que quisesse e teríamos uma verdadeira confusão. O filme ‘O Poço’ nos permite dentro da metodologia fílmica algumas leituras e aí está sua grandeza. Por exemplo, numa leitura mais rasteira

 

FOTO LEGENDA DA FOTO: Goreng

 

Vemos a crítica a qualquer sociedade humana que vive numa prisão – e muitas vezes por vontade própria – sem dar conta de que está presa e que leva uma vida banal e estúpida apenas vivendo para comer e obedecer às regras do sistema sem entendê-lo. Goreng. No entanto, e dando início a um aprofundamento, percebemos no filme ‘O Poço’ uma crítica aos bascos que vivem debaixo da ADMINISTRAÇÃO espanhola, não percebendo a falta de liberdade.

 

FOTO LEGENDA DA FOTO: A criança

 

Além disso, uma outra visão, muito mais apropriada nos informa que o filme toca em questões muito profundas como exemplo podemos citar que o filme ‘O Poço’ é uma releitura do Mito da Caverna, obra famosa de Platão, na qual as pessoas que vivem no fundo não tem ideia que existe a liberdade e que o caminho para a libertação passa pela educação. Assim a personagem Goreng é a chave para entender a mensagem do filme, pois essa personagem entra no poço por vontade própria carregando um livro, propositadamente chamado Dom Quixote, um personagem que vive seus dramas dentro de sua própria cabeça como a maioria dos personagens do filme que, às vezes, criam mentiras e ilusões para não abandonar ‘O Poço’. Desta maneira Goreng simboliza o guardião de que nos fala Platão, ou seja, ele é o intelectual preparado para ir ao fundo do poço, salvar as pessoas e trazer de volta a esperança, tão necessária para que continuemos vivos na eterna luta de dar sentido à vida mesmo nos momentos mais sórdidos, nos quais a ADMINISTRAÇÃO nos relega às mais baixas posições sociais. Logo percebemos o papel da educação como único caminho da libertação. O filme também mostra Goreng como um Dom Quixote que luta, num primeiro momento por ilusões obviamente internas da sua mente, mas a leitura que ele faz da obra de Cervantes vai iluminando a sua luta por superar os problemas do poço, mas principalmente como deve fazer uma grande pessoa superar as suas próprias limitações. Desse jeito a personagem se transforma numa espécie de Sócrates que busca conhecer-se a si próprio e, além disso, ele é o Hércules que vai ao fundo do poço (ou inferno) para voltar como salvador da humanidade. Em contrapartida temos a personagem Miharu que vive dentro de si mesma e, portanto, sem conseguir superar suas fraquezas e ainda cria ilusões mentais para continuar onde está como muitas.

A personagem criança que se transforma na mensagem de libertação é, na linguagem fílmica, uma proposição do autor do filme para quem a libertação virá com o abandono da administração ocidental que será substituída pela libertação trazida pelos orientais. Claro, é a visão do autor e, espero estar vivo nas próximas décadas para saber se este embate EUA e China será resolvido e qual das duas potências será a nova ADMINISTRAÇÃO nas minhas palavras ou se a libertação virá da China como insinua o final do filme. Despeço-me, indicando essa bela obra e desejando uma boa reflexão e que possamos fazer um diálogo.

 

Autor: Egydio Neves Neto