Etanol: o combustível brasileiro que vai além da conta dos 70%

Etanol: o combustível brasileiro que vai além da conta dos 70%
08/09/2025

Todo motorista já se deparou com a cena: diante da bomba de combustível, surge o dilema entre gasolina e etanol. A decisão costuma ser resolvida por uma fórmula aparentemente simples: se o litro do etanol custa até 70% do preço da gasolina, ele é considerado mais vantajoso. Mas reduzir a escolha a um cálculo de padaria é ignorar uma história de décadas de inovação, ganhos ambientais e impacto econômico que fazem do etanol uma das maiores conquistas energéticas do Brasil.

 

Uma trajetória de inovação nacional

O etanol não é novidade para os brasileiros. O Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado nos anos 1970 em meio à crise do petróleo, inaugurou uma trajetória de pesquisa e investimento em biocombustíveis. Graças a essa política, em 2003 o país lançou a tecnologia flex fuel, que permite ao motorista abastecer com etanol, gasolina ou qualquer mistura dos dois. Hoje, mais de 80% da frota de veículos leves é flex, um caso único no mundo.

O Brasil é o único país que conseguiu transformar um biocombustível em solução de massa para mobilidade. Essa conquista alia tecnologia, segurança energética e sustentabilidade.

 

Benefícios ambientais que pesam na balança

A cada litro consumido, a diferença entre etanol e gasolina vai além do desempenho no tanque. Estudos da Agência Internacional de Energia indicam que o etanol de cana-de-açúcar pode reduzir em até 80% as emissões de gases de efeito estufa em comparação à gasolina. Isso porque, durante o cultivo, a cana absorve CO2 da atmosfera, compensando boa parte das emissões na queima do combustível.

O setor também investe em tecnologias como o etanol de segunda geração (E2G), produzido a partir do bagaço e da palha da cana, aumentando a eficiência sem demandar novas áreas de cultivo.

 

Potência e desempenho

Muitas vezes visto apenas pelo prisma da autonomia por litro, o etanol também oferece vantagens técnicas. Sua maior octanagem em relação à gasolina permite que motores tenham melhor desempenho em aceleração e potência. Em veículos modernos, especialmente híbridos flex, essa característica pode ser explorada de forma ainda mais eficiente.

 

Motor da economia

O setor sucroenergético brasileiro emprega mais de 700 mil pessoas direta e indiretamente, especialmente em regiões do interior. Além do etanol, a cana-de-açúcar também gera açúcar e bioeletricidade, ampliando os impactos positivos na matriz energética. Cada litro de etanol abastece não apenas veículos, mas também comunidades inteiras.

 

O contraponto aos elétricos

Nos últimos anos, os carros elétricos passaram a ocupar o centro do debate sobre mobilidade sustentável. À primeira vista, parecem imbatíveis: não emitem poluentes diretamente e oferecem condução silenciosa. Mas a questão é mais complexa.

A grande pergunta é: de onde vem a energia que recarrega esses veículos? Em países que dependem fortemente do carvão ou do gás, a eletricidade pode carregar uma pegada de carbono maior do que a de um carro flex abastecido com etanol no Brasil. Aqui, com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, mais de 80% proveniente de hidrelétricas, eólicas e solares, os elétricos têm vantagem. Ainda assim, o etanol mantém papel central, especialmente em híbridos flex, que unem o motor elétrico à tecnologia brasileira do biocombustível.

 

Muito além da matemática

A decisão entre gasolina e etanol não deve ser resumida a uma simples conta de custo por quilômetro. Ao optar pelo etanol, o motorista contribui para reduzir emissões, apoiar a economia nacional, fortalecer a independência energética e valorizar uma tecnologia genuinamente brasileira.

Quando se fala em sustentabilidade, o etanol é um patrimônio do Brasil, prova de que é possível unir desenvolvimento econômico e preservação ambiental. O próximo passo é fortalecer a educação ambiental, para que a escolha deixe de ser apenas matemática e passe a ser também consciente.

 

Paulo Roberto Garcia

Engenheiro de Produção,

Universidade de São Paulo (USP)