ENTREVISTA COM DR. ANDRÉ MARCELO PERUCHI MINTO

ENTREVISTA COM DR. ANDRÉ MARCELO PERUCHI MINTO
05/04/2021

POR RITA TONIELO

COVID-19/DOENÇAS BUCAIS

  • Qual a relação da doença com a saúde bucal?

É sabido que os cuidados com a saúde bucal do ponto de vista geral, é extremamente eficaz na prevenção de doenças cardíacas, depressão, doenças crônicas como diabetes, hipertensão arterial, câncer e outras doenças sistêmicas.  A presença do cirurgião-dentista no ambiente hospitalar atuando nos cuidados com a saúde bucal, é de fundamental importância para a evolução positiva dos pacientes acometidos de muitas doenças.

Sendo a COVID-19 uma doença infecto-contagiosa tendo como porta de entrada as mucosas do trato-respiratório superior (nariz, boca e garganta) é justo concluir que as boas práticas de higiene bucal podem evitar o agravamento dos problemas resultantes da doença nos pacientes contaminados. Inclusive, em pacientes contaminados, vírus presentes na cavidade oral poderão se aspirados e contribuir para a exacerbação dos problemas pulmonares provocados pela doença.

O principal protocolo para uma boa saúde bucal começa pela higienização das mãos, pois é ela que conduzirá o fio dental, a escova e o creme dental, os higienizadores de língua e os enxaguatórios até a boca.

Esses hábitos frequentes de higienização bucal, associados a outros cuidados como a substituição da escova pelos indivíduos que estão se recuperando da doença, o não compartilhamento dos objetos de higienização bucal e a desinfecção da escova com soluções antimicrobianas, como os enxaguantes bucais ou até álcool 70%, têm fundamental importância no controle e prevenção da doença.

 

  • O que é doença periodontal? É verdade que quem tem essa doença, a chance de contaminação é maior?

A doença periodontal ou periodontite é uma doença que afeta os tecidos de sustentação ou de suporte do dente, culminando com a perda de inserção, mobilidade e até perda do elemento dental. Pode apresentar múltiplas causas, mas sem sombra de dúvida, a principal causa é o acúmulo de placa bacteriana, também chamada de biofilme, que uma vez calcificada forma o cálculo dental ou tártaro.

Normalmente a gengiva dos pacientes portadores de periodontite estarão constantemente inflamadas e sangrantes. Bactérias presentes poderão então atingir a corrente sanguínea e produzir inflamações secundárias à distância, atingindo principalmente coração e pulmões. Recentemente, um estudo conduzido no Catar, Espanha e Canadá, avaliou 568 pacientes que tiveram COVID-19 e conseguiram demonstrar que aqueles que apresentavam formas mais graves de periodontite corriam risco 3 vezes maiores de serem entubados ou que  vieram a óbito em decorrência da Síndrome de Deficiência Respiratória Aguda provocada pela COVID-19. Portanto, segundo o Prof. titular da disciplina de Periodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, Giuseppe Romito, “a periodontite gera uma inflamação sistêmica que vai além da boca”.

 

 

  • A má higiene bucal afetaria a transmissão da doença?

Embora no início da pandemia a saúde bucal tenha sido desconsiderada como fator de influência na transmissão, descobertas recentes que mostram a presença de vírus  na gengiva de pacientes que foram a óbito, indica que a saúde bucal tem sim influência na transmissão do vírus. Nos parece óbvio que descartar boas condições de higiene bucal como fator preponderante numa doença como a COVID-19, é no mínimo uma negligência. Não podemos destacar a boca do restante do corpo.

 

  • É verdade que quem não tem o hábito de higienizar a língua pode adquirir COVID-19 e outras doenças bucais? Qual relação teria?

Como a porta de entrada do coronavírus é a mucosa em geral, não se pode descartar a possibilidade disso acontecer através da mucosa lingual. O dorso lingual e uma área de mucosa irregular e que portanto facilita o acúmulo de resíduos e deve ser higienizada sempre, seja através de escovação, uso de raspadores (higienizadores) linguais ou ambos. A falta de higienização da língua potencializa sobremaneira os riscos no aparecimento de problemas bucais como a halitose, além de ser um fator complicador no agravamento dos sinais e sintomas decorrentes da COVID-19, especialmente em pacientes com comorbidades.

  • Pacientes com COVID-19 podem perder olfato e paladar. As papilas gustativas estão na língua. O que acontece com elas para o paciente parar de sentir o gosto? Qual seria a relação do olfato sobre tudo isso?

A perda de olfato (anostomia) e paladar (disgeusia) em decorrência da COVID-19 é bem diferente daquela que ocorre em uma gripe comum, pois aparece de forma repentina e severa, não tem necessariamente relação com a congestão nasal e outros sintomas,  podendo permanecer por dias ou até meses após o desaparecimento dos sintomas da doença. O motivo por que isso ocorre não está totalmente esclarecido, mas acredita-se que o vírus ao atravessar a mucosa nasal ou lingual, adentra às células para sua replicação, sendo que após a replicação, a célula se rompe e libera os novos vírus. Nesse processo, células basais dos receptores olfativos e gustativos são destruídas deixando esses receptores expostos e suscetíveis à deterioração e ao ataque do invasor. Estudo recente publicado na Revista Nature, mostrou que o vírus pode se replicar dentro das glândulas salivares e ser lançado diretamente na boca e contribuir para a perda de paladar e, também na transmissão efetiva do vírus e propagação da doença. Mais um motivo para se ter atenção especial à saúde bucal. A boa notícia é que as sensações são recuperadas naturalmente, com o corpo voltando a fabricar as células sensoriais. O olfato retorna em, no máximo dois meses e o paladar entre 10 ou 14 dias. Raríssimos são os casos que vão além disso, mas há relatos de pessoas que após meses ainda não sentem certos sabores ou até que pegaram aversão à certos alimentos.