Do Terror revolucionário à judicialização da política: lições da História para o Brasil de hoje

Do Terror revolucionário à judicialização da política: lições da História para o Brasil de hoje
15/09/2025

A Revolução Francesa (1789–1799) foi um dos eventos mais transformadores da história ocidental. Em nome da liberdade, igualdade e fraternidade, o povo francês derrubou a monarquia absolutista e instituiu um novo regime político baseado na soberania popular. No entanto, no auge do processo revolucionário, entre 1793 e 1794, emergiu um período sombrio conhecido como O Terror.

Liderado por Maximilien Robespierre, o Comitê de Salvação Pública assumiu poderes quase absolutos para “proteger a revolução”. Nesse período, aproximadamente 17 mil pessoas foram executadas oficialmente (fora os milhares que morreram sem julgamento), e 300 mil foram presas por “suspeita de traição” , muitas vezes com base em denúncias frágeis, julgamentos sumários ou simplesmente por divergência de opinião. O aparato legal foi distorcido para servir à repressão política, e o ideal de virtude passou a justificar a eliminação de qualquer “inimigo do povo”. Robespierre, ele mesmo defensor da moralidade pública e da justiça, acabou guilhotinado por seus pares, consumido pela própria lógica de exceção que instituiu.

A história do Terror é emblemática porque revela como regimes autoritários nem sempre nascem de golpes militares ou ditaduras declaradas. Muitas vezes, surgem de instituições ordinárias que, sob a justificativa de combater o mal, passam a operar fora dos limites do devido processo e da pluralidade democrática.

No Brasil contemporâneo, vivemos sob a vigência plena da Constituição de 1988, mas é inegável que há uma crescente judicialização da política e uma preocupante concentração de poderes no Judiciário, em especial no Supremo Tribunal Federal (STF). No centro desse debate está a atuação do ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e de outras investigações de forte impacto político.

Desde 2019, Moraes acumula funções que tradicionalmente caberiam a órgãos distintos do sistema de justiça: investiga, denuncia, julga e impõe medidas cautelares, como prisões, censuras prévias, bloqueio de redes sociais e congelamento de contas bancárias. O Supremo, concebido como corte constitucional e guardião das liberdades, passou a ser também órgão de persecução penal, sem os freios e contrapesos característicos de uma democracia liberal.

A situação brasileira evoca não apenas o Terror jacobino, mas também experiências autoritárias mais recentes. Na Venezuela de Hugo Chávez, por exemplo, o discurso de defesa da ordem e da democracia serviu para concentrar poderes no Executivo e, posteriormente, instrumentalizar o Judiciário para perseguir adversários políticos. Em nome da “revolução bolivariana”, o regime venezuelano desmontou as garantias democráticas passo a passo, até consolidar uma ditadura funcional.

Assim como Robespierre via o inimigo da revolução em qualquer voz dissonante, o Brasil parece caminhar para um cenário em que a crítica institucional pode ser confundida com ameaça à democracia, e o exercício de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a presunção de inocência, torna-se condicionado ao juízo político de quem detém o poder.

É importante frisar que não se trata de negar a gravidade dos ataques de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro de 2023. A defesa da democracia é legítima e necessária. O problema é quando essa defesa se dá fora dos marcos constitucionais, por meio de medidas excepcionais que se tornam regra, abrindo precedentes perigosos para o futuro.

O Terror na França não começou com a guilhotina, começou com a ideia de que certos fins justificam quaisquer meios. Quando se aceita que um homem possa ser ao mesmo tempo juiz, promotor, policial e censor, renuncia-se à separação de poderes que sustenta o edifício democrático.

A lição da história é clara: autoritarismo travestido de virtude é sempre um risco real. Se não quisermos repetir os erros do passado, é preciso resistir à tentação de permitir que a democracia seja defendida com métodos que a negam.

 

Paulo Roberto Garcia – Engenheiro de Produção - Universidade de São Paulo (USP)