Correios: de instituição colonial a estatal em crise

Os Correios são uma das instituições mais antigas do Brasil. Sua história remonta a 1663, no período colonial, quando foi criado o Correio-Mor da Capitania do Rio de Janeiro, inspirado no modelo português. Ao longo de mais de 360 anos, a estatal se consolidou como elo fundamental na integração nacional. Mas hoje vive uma crise de credibilidade e de sustentabilidade financeira, marcada por escândalos de corrupção e sucessivos prejuízos.
Das origens à construção de um serviço nacional
No Brasil Colônia, o serviço postal era restrito e precário, dependente de navios e administrado por particulares. Com a Independência (1822), o serviço foi reorganizado pelo Estado. Em 1844, o Brasil emitiu o famoso selo Olho-de-Boi, terceiro do mundo, tornando-se referência filatélica.
Durante o Império, os Correios foram estruturados junto às diligências, ferrovias e navios a vapor, tornando-se símbolo da modernização administrativa. Na República, especialmente a partir de 1931, os Correios se fundiram aos serviços de telégrafos, formando o Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), estratégico para o país. Em 1969, durante o regime militar, nasceu a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que nos anos 1970 e 1980 chegou a ser considerada uma das empresas mais eficientes da América Latina.
A era das crises e da corrupção
O prestígio, no entanto, foi abalado. A partir dos anos 2000, os Correios se viram no centro de escândalos de corrupção. O mais emblemático foi revelado em 2005, quando denúncias de propina envolvendo contratos da estatal deram origem ao escândalo do “mensalão”, um dos maiores casos de corrupção política do país. Ao longo das décadas seguintes, outros episódios vieram à tona, incluindo irregularidades em licitações e suspeitas de desvios em contratos de transporte e logística. Esses episódios corroeram a imagem da empresa, afastaram parceiros estratégicos e reforçaram a percepção de que a estatal, apesar de sua capilaridade e relevância social, sofria com aparelhamento político e má gestão.
A crise financeira recente
Se no passado os Correios foram referência, nos últimos anos enfrentam um cenário dramático.
Desde 2022, a empresa acumula prejuízos sucessivos: - 2022: queda de receita e desequilíbrio frente à concorrência privada. - 2023: dificuldades para manter equilíbrio operacional em meio ao avanço das transportadoras e plataformas de logística do e-commerce. - 2024: prejuízo de cerca de R$ 2,6 bilhões. - 2025: só no primeiro semestre, o déficit já atinge R$ 4,37 bilhões, superando todo o ano anterior. As causas vão além da má gestão: há o impacto da “taxa das blusinhas”, que reduziu drasticamente o volume de encomendas internacionais, a alta de precatórios, que cresceram mais de 500%, e o peso de uma estrutura administrativa inchada e antiquada.
O paradoxo atual
Apesar dos rombos bilionários e do histórico de corrupção, os Correios ainda mantêm certo nível de eficiência operacional. Em 2025, mais de 90% das entregas chegam dentro do prazo, e os índices de satisfação do cliente (CSAT) ficam acima de 9 pontos. Essa contradição mostra uma estatal que, ao mesmo tempo em que segue relevante para milhões de brasileiros, especialmente em cidades onde empresas privadas não chegam, perde valor econômico e competitividade frente aos rivais.
Um futuro incerto
Hoje, os Correios negociam uma linha de crédito de R$ 4 bilhões com o banco dos BRICS para tentar modernizar sua estrutura e investem em novas frentes, como o marketplace “Mais Correios” e programas de redução de pessoal. Mas o desafio é profundo: resgatar a confiança, equilibrar as contas e enfrentar a concorrência. De instituição criada no Brasil Colônia a protagonista de escândalos de corrupção e de uma crise sem precedentes, os Correios refletem os dilemas de um país em transição. O futuro da estatal dependerá de uma escolha clara: se reinventar ou continuar a acumular prejuízos, tornando-se apenas uma lembrança de sua grandeza histórica.
Paulo Roberto Garcia - Engenheiro de Produção, Universidade de São Paulo (USP)