A dívida do Brasil com a primeira infância

A dívida do Brasil com a primeira infância
08/09/2025

A creche é uma das políticas públicas mais eficazes para romper o ciclo de desigualdade no Brasil, mas continuamos a não conseguir oferecê-la a quem mais precisa. Uma pesquisa do Instituto Todos Pela Educação mostra que apenas 4 em cada 10 crianças de 0 a 3 anos frequentam creches, abaixo da meta de 50% estabelecida pelo Plano Nacional de Educação.

A desigualdade é gritante: entre os mais pobres, a frequência escolar é de 30,6%, enquanto entre os mais ricos chega a 60%. Há também uma forte demanda reprimida: pais de quase 2,3 milhões de crianças afirmam querer uma vaga, mas enfrentam desafios devido à falta de disponibilidade, à distância ou a restrições de idade. A geografia do déficit repete antigas assimetrias: Norte e Nordeste ficam atrás do Sul e Sudeste; Acre e Roraima apresentam os piores indicadores, ao contrário de Santa Catarina e São Paulo.

Educadores são unânimes em apontar que os primeiros anos são a base para o desenvolvimento cognitivo e cerebral, a capacidade de socializar e gerenciar emoções e a compreensão da escola como um lugar de descoberta e afeto. A literatura internacional reforça essa teoria: estudos de James Heckman (Universidade de Chicago) demonstram que investimentos na primeira infância têm retornos sociais e econômicos superiores aos de fases posteriores; organizações como o UNICEF e a OCDE reiteram que o acesso precoce e de qualidade à educação infantil melhora a aprendizagem futura, reduz as taxas de retenção e aumenta a participação feminina no mercado de trabalho. No Brasil, pesquisas do IBGE e dados do Censo Escolar mostram que, onde a cobertura aumenta, os indicadores de retenção e transição escolar nos anos subsequentes também aumentam, efeito que se soma aos ganhos em segurança alimentar e proteção social.

Embora a provisão seja municipal, isso não minimiza a responsabilidade federal, pois a solução exige cofinanciamento e coordenação com estados e União, com metas anuais, expansão de infraestrutura onde o mapa mostra "desertos de creches", capacitação e planos de carreira para profissionais e sistemas transparentes de matrícula que priorizem grupos vulneráveis.

O anúncio do Ministério da Educação de mais de 60.000 novas vagas por meio do PAC é um avanço, mas ainda é insuficiente e carece de garantia de qualidade, localização adequada e continuidade orçamentária. É importante ressaltar que a educação das futuras gerações começa na creche. No entanto, a maioria dos estados e municípios ainda está engatinhando no que diz respeito ao acesso à educação infantil pública de qualidade, e adiar esse compromisso representa um pesado prejuízo para o futuro de milhões de crianças e para o próprio desenvolvimento do país. A educação e nossas crianças não podem esperar tanto tempo, e a necessidade de mudança é urgente.

 

*Joice Martins Diaz é formada em Pedagogia e pós-graduada em Gestão Educacional. Possui mestrado em Educação e Novas Tecnologias. Atualmente, atua como professora e coordenadora de cursos de Pedagogia no programa de pós-graduação do Centro Universitário UNINTER.